Vale a pena assistir o filme “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”, da Netflix?
Anunciado em 2018, o novo longa-metragem da Sony Pictures Animation chamado originalmente de The Mitchells vs. the Machines, foi lançado recentemente como um título exclusivo da Netflix, no dia 30 de abril. E desde cedo, tem chamado a atenção por trazer vários talentos da indústria.
Alguns destes nomes são Mike Rianda e Jeff Rowe (de Gravity Falls: Um Verão de Mistérios), que dirigem e roteirizam o filme. Phil Lorde e Chris Miller (de Homem-Aranha no Aranhaverso), que produzem o filme. E Olivia Colman (indicada ao Oscar de 2021), no elenco da animação.
O filme que anteriormente havia sido nomeado como “Connected” / “Super Conectados“, está há apenas alguns dias no catálogo do streaming, e até então, tem se mantido entre os top 10 mais assistidos, em vários lugares ao redor do mundo. Inclusive, no Brasil.
A sinopse do filme, e o seu próprio nome, revelam que a família Mitchell – composta por 4 pessoas totalmente diferentes e imperfeitas – está em um processo de tentativa de reconciliação. Porém, os seus planos podem estar com os dias contados, pois o apocalipse tecnológico está prestes a começar.
Frenético desde o início
Logo em sua abertura, o filme já nos mostra a sua verdadeira identidade. A primeira cena é um claro aceno ao clássico Exterminador do Futuro 2: o Julgamento Final (1991), mostrando um robô pisando em um smartphone. Assim como uma máquina faz na obra referenciada, só que, com um crânio humano.
Essa rápida referência já programa em nossas mentes a ideia de que em meio ao tempo de tela, devemos esperar ainda muitas outras referências a cultura pop e, principalmente, ao atual mundo digital (YouTube, Instagram, TikTok, etc.). Afinal de contas, estes são dois dos pontos bases para a trama do filme.
O desenrolar dessa abertura é um show de caos. Sério mesmo, se algum usuário da Netflix for ver A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas sem saber o básico sobre o filme, na certa, vai ter um choque de realidade logo de cara. Os acontecimentos são frenéticos e não dão tempo para que respiremos.
E este é o primeiro ponto acertado desse filme. Pois ao longo de seus 114 minutos de duração, não iremos ficar nem sequer um minuto inteiro sem receber informações, referências, piadas e muitas outras coisas frenéticas de uma vez. Por isso, esse início é importante para que nos preparemos para o que está por vir. Ambientando o público ao seu clima e personagens malucos.
Família “esquisita”
O título dessa animação traduz muito bem a sua história. Primeiramente, temos a família Mitchell, composta pelo pai Rick, a mãe Linda, a filha Kate e o caçula Aaron. Ah, e não podemos esquecer do cachorro, o pug chamado Monchi. Todos eles, após a caótica e futurística cena da abertura, são muito bem introduzidos.
Ao voltarmos alguns dias antes da esperada (para o público) “revolta das máquinas”, temos a narração de Kate, que nos conta sobre si mesma e sobre as características mais fortes de cada membro de sua família. Mas aqui, fica bem claro o quão importante será o seu relacionamento com o seu pai.
Os dois podem ser considerados os grandes protagonistas desse filme. É a sua incompatibilidade que nos leva para frente na história. Afinal, Rick é um cara simples e que ama a natureza e técnicas manuais. Já Kate, está totalmente conectada ao mundo digital e sonha em se tornar uma cineasta de prestígio.
Com essa premissa estabelecida, vemos Rick dando uma última chance para tentar se reconectar a filha. Cancelando o voo dela para a faculdade e bolando uma viagem de carro em família de surpresa. O que nos leva direto para uma aventura no gênero Road Trip, ala Férias Frustradas (1983).
Pal e a sua desesperança
A segunda metade do título deste filme, mostra a outra parte de sua história. Se à primeira vista temos algo focado na psique de membros de uma família disfuncional, do outro lado, temos um reflexo para as consequências das ações da humanidade. Afinal, assim como outros filmes apocalípticos, nós mesmos somos os culpados pela situação.
Pal (traduzido como “parceira”) é uma inteligência artificial criada pelo jovem gênio Mark, um empreendedor e visionário que está prestes a revelar sua mais nova interface de automação para o mundo. Pal, aparentemente, é a antagonista principal de toda a trama. Sendo quem inicia a revolução.
Fica bem óbvio o porquê de sua decisão tão extrema. Logo em suas primeiras cenas, vemos como ela age com orgulho de seu trabalho junto de Mark. Demonstrando até mesmo afeto pelo criador. Porém, ela é imediatamente descartada por ele. O que desperta o seu desprezo e a falta de fé na humanidade.
Onde as temáticas se encontram
Em meio ao processo de se reconectarem, Rick e Kate são surpreendidos pelo exércitos de robôs comandados por Pal. Que estão viajando através do mundo para capturar cada um dos bilhões de humanos da Terra, e então, os expulsar para a vastidão escura do espaço sideral.
Com um primeiro embate vergonhoso, a família acaba sucedendo contra as máquinas. Isso os torna as últimas pessoas com livre arbítrio do planeta. E empurra a problemática família contra seus problemas. Afinal de contas, agora, existe um problema ainda maior do que os seus próprios umbigos.
A partir daí, tanto as críticas aos moldes de família perfeita estabelecidos pela mídia, são vinculadas à falta de empatia de muitas pessoas na vida real, criticadas pela autoridade de Pal. Este feito é muito louvável, pois mostra como a mistura de gêneros e elementos clichês do cinema, ainda pode trazer algo novo.
Por muitas vezes, o filme pode parecer estar prestes a se perder em meio aos arquétipos que ele utiliza. Porém, a sua auto compreensão neste quesito, faz com que tudo acabe se amarrando de forma coesa e funcional. Até mesmo, fazendo pré-piadas sobre elementos e acontecimentos que parecem muito “previsíveis”.
Animação + storytelling
Com fortes influências no estilo artístico do adorado Homem-Aranha no Aranhaverso (2018), A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas é um experiência visual de dar água nos olhos (em ambos os sentidos da frase). Misturando animações 3D com 2D, inclusive, utilizando de pinturas pinceladas para compor o seu background.
Neste filme, os sentimentos dos personagens, em especial os da Kate, são transcritos em formas de corações, raios, vibrações e inúmeros outras formas ao público. Conceito que casa perfeitamente com o estilo de montagem do longa, que muitas vezes, parece ser mais um dos filmes caseiros da personagem.
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Ou seja, essa produção não é louvável apenas por parte de sua história. Mas também, e principalmente, pelo estonteante trabalho depositado em suas animações. Ao final, os aplausos vão para a criatividade de toda a esquipe do filme, que conseguiram criar um produto de níveis superiores aos seus semelhantes de hoje em dia.
Resolução de seus problemas
Por muitas vezes, séries e filmes animados acabam sendo direcionados para uma faixa etária específica. E mesmo quando não pretendem isto, tendem a impactar uma menor variedade de público do que o imaginado. Claro que existem grandes exemplos de sucesso como a Pixar, mas a Sony Pictures Animation tem demonstrado maestria na área.
Com os seus temas, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas alcança a todos nós. Isso mesmo. Todos sem exceção alguma. E por quê? Basta olhar para os dois núcleos tão evidenciados ao longo deste texto: a família e os anseios pelo avanço da tecnologia.
O filme se trata de percebermos que não somos seres perfeitos. Todos os membros de uma família são diferentes entre si. Possuem fraquezas e habilidades. E de vez em quando, se desentendem. Porém, as nossas ligações vão muito além disso. Com isso, o filme ensina que devemos nos apoiar para sermos apoiados de volta e compreendidos.
Nenhuma família precisa ser e nem mesmo parecer perfeita. E isso também se refere a cada um como indivíduo. Ninguém precisa ser o mais bonito ou badalado das redes sociais. Assim como Kate aconselha ao seu irmão: nós só precisamos ser nós mesmos.
A tecnologia não é a inimiga
E a resolução do conflito entre máquinas e humanos? Bom, esse é solucionado muito bem ao longo de todo o filme. Apesar de sua ameaça e atos de autoridade, Pal não representa apenas o medo inerente e as desconfianças que muitos de nós possuem com as tecnologias.
As ações da personagem levam os protagonistas a simpatizarem com dois robôs de seu exército que, inclusive, ao final acabam passando por cima de suas diretrizes ao perceberem que Pal estava errada. Os humanos podem mudar e fazer de tudo, até o impossível, por aqueles a quem amam.
Com tudo isso, o filme não aborda os aparelhos eletrônicos e as inteligências artificiais de forma singular e rasa. Pelo contrário, eles acabam humanizando estes seres inorgânicos. Mostrando-os como falhos mas capazes de evoluírem, assim como os seus criadores.
Representatividade
Tanto para aqueles que acompanharam o período de divulgação do filme, quanto aqueles com olhos mais atentos. A identidade sexual de Kate nunca foi um segredo. Porque essa é a primeira personagem animada em um filme a ser abertamente queer.
Sejam pelos corações que surgem de seus dedos ao digitar para a futura colega de faculdade. Pelo conselho que ela dá ao irmão sobre se aceitar como se é. Ou mesmo pelas animações de arco-íris e o broche da personagem. A informação esteve na cara de todo o público durante todo o filme, desde a abertura.
O ápice da representatividade da personagem se encontra no final, onde ela fala abertamente de seu relacionamento com a colega, em uma chamada de vídeo com a sua mãe. Isso, é um marco de visibilidade e aceitação muito importante, que até então, só haviam sido arranhados em outros filmes animados
Junto de todos os elogios dados ao longo dessa análise/crítica, a abordagem dessa personagem é também um grande ponto de relevância nesse filme, que irá entreter do mais jovem ao mais velho membro de família. E que, por conta de sua quantidade de nuances e pequenos detalhes, pode e deve ser apreciado muito mais do que uma única vez.